domingo, 24 de abril de 2011

Anotações para uma reflexão sobre o conformismo do “novo” trabalhador (1ª Parte)

 Observação do blogueiro: o mesmo ocorre com o esporte.


Passa Palavra - [Emílio Gennari] A sustentar a percepção de que tudo depende da capacidade de o indivíduo buscar sua realização e acreditar em suas capacidades, a baixa autoestima começa a ser sistematicamente apontada como a origem dos problemas sociais que antes eram atribuídos a uma situação de injustiça que a sociedade reproduz pelas relações nela estabelecidas.

Já é parte do senso comum a ideia de que o perfil dos trabalhadores tem mudado fortemente em relação ao de duas décadas atrás. A solidariedade, a indignação e o sentimento de coletividade andam em baixa e a atuação dos dirigentes sindicais tem se tornado cada vez mais difícil.
No texto que segue, apresentamos fragmentos de uma reflexão a ser aprimorada e aprofundada. Nele, reunimos alguns elementos que permitem avançar em relação às conclusões a que chegamos na segunda edição do estudo “Da alienação à depressão – caminhos capitalistas da exploração do sofrimento”, mas que ainda demandam uma análise cuidadosa. Apesar disso, submetemos este rascunho à sua apreciação para que possa ajudar a entender melhor o momento de dificuldade vivido pelos sindicatos e demais movimentos. Boa leitura!
Nos últimos 20 anos, as emoções ganham um lugar de destaque nas preocupações das forças que buscam moldar um consenso social capaz de levar as pessoas a melhor se adaptar às novas exigências da exploração. Para percebermos esta realidade, basta abrir as centenas de anexos que acompanham os e-mails que recebemos ou ler algum livro de autoajuda. Via de regra, seu conteúdo revela que a análise racional da realidade cede o lugar a impressões e ideias que dialogam com a sensibilidade das pessoas e oferecem um enfoque sentimental a aspectos do cotidiano que eram vistos como um obstáculo para a felicidade do indivíduo. Além da ausência de uma comprovação empírica consistente, chama atenção o convite a aceitar a realidade como algo natural e não como fruto de uma construção histórica que se dá a partir de determinados interesses de classe. A ordem social que serve de pano de fundo parece algo tão cotidiano, neutro, imparcial e inevitável quanto a lei da gravidade. Lutar contra ela, passa a ser visto como ilógico e sem sentido, ao passo que conviver com a ordem para aproveitar o que esta pode oferecer é apontado como um passo necessário para construir metas individuais que abram os caminhos da afirmação pessoal e da felicidade possível. O “EU” que se constrói numa mistura de aceitação do sofrimento e de esforço para superar os próprios limites sabe que tem que “ralar para subir na vida”, mas, ao mesmo tempo, começa a ler os entraves com os quais se depara como ameaça ao seu bem-estar emotivo e à auto-estima. Trata-se, portanto, de algo que passa a ser vivido cada vez mais na intimidade de um sujeito cujos critérios de análise o dobram sobre si mesmo na exata medida em que o colocam como início, meio e fim de qualquer ação a ser empreendida e o tornam incapaz de uma leitura da realidade na qual o “OUTRO” não seja somente mais um concorrente a derrotar.
A sustentar a percepção de que tudo depende da capacidade de o indivíduo buscar sua realização e acreditar em suas capacidades, a baixa autoestima começa a ser sistematicamente apontada como a origem dos problemas sociais que antes eram atribuídos a uma situação de injustiça que a sociedade reproduz pelas relações nela estabelecidas. Desta forma, não são mais os mecanismos econômicos, políticos, sociais e culturais a gerarem e alimentarem uma realidade de pobreza, marginalização, discriminação, violência etc, mas sim a ausência no sujeito de uma atitude imprescindível ao seu desenvolvimento e à sua afirmação social: a autoestima. Se, de um lado, a gente não escolhe o berço onde nasce, de outro, para a intelectualidade a serviço da elite, o que explica a pobreza em que você se encontra é a ausência de atitudes positivas em relação ao presente e ao futuro. Se você não acredita em você mesmo, não valoriza o seu potencial, não se dá ao trabalho de descobrir e pôr pra funcionar os talentos de que dispõe, então, não há como deixar esse berço incômodo em que o acaso o fez nascer. Trocado em miúdos, ninguém tem culpa de você ter nascido pobre, portanto, pare de se queixar, pense positivo, levante a cabeça, tente novas possibilidades, invista em você mesmo, assuma desafios, olhe para o novo, pois a responsabilidade por você continuar na condição social em que se encontra é somente sua!
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A dinâmica que fortalece no sujeito esta percepção tem como base o fato inegável e natural de que qualquer situação é vivenciada de forma diferente por cada membro de um determinado grupo social. O foco, portanto, não é o grupo, e menos ainda as relações sociais a que está submetido, mas sempre e somente o indivíduo que vive de forma particular a realidade na qual está inserido. No caso da exclusão, por exemplo, vários autores colocam suas origens numa experiência de alienação, na baixa autoestima, na passividade, na dependência, na desorientação, no medo, na raiva, na apatia, na ausência de aspirações, na falta de perspectivas ou atitudes do sujeito e na incapacidade deste se adaptar às demandas da realidade. Desta forma, a exclusão não nasceria de precisos mecanismos de exploração/acumulação no campo da economia e das relações de propriedade, mas sim nos núcleos da esfera privada que estão na base da formação de cada um de nós, entre os quais a família ganha, evidentemente, um papel de destaque. Na medida em que esta célula da vida em sociedade reproduz em cada membro uma devastação interior dos sentimentos e das emoções que torna os indivíduos incapazes de se afastarem de um comportamento antissocial, ela passa a ser responsabilizada pela incapacidade de o sujeito dar a volta por cima. A família ser pobre, portanto, não é problema nem empecilho para o desenvolvimento de atitudes positivas na vida dos seus membros desde que, como peça-chave da vida em sociedade, ela se torne capaz de levá-los a acreditar em si mesmos, no seu potencial e a lutar para vencer na vida nos moldes narrados, por exemplo, no filme “Os filhos de Francisco”. Num passe de mágica, os mecanismos da injustiça social desaparecem deixando aberto o caminho à supervalorização das atitudes individuais.
Para o desemprego, a explicação não se distancia da que acabamos de apresentar. Ninguém duvida que esta praga dos tempos atuais provoca efeitos psicológicos devastadores a ponto de levar o sujeito a um estado depressivo ou até mesmo a tirar a própria vida. Mas o problema está justamente no movimento que isola as emoções da realidade do mercado, da exploração, das pressões sociais e leva a ver os distúrbios psíquicos como resultado de emoções não trabalhadas que, por atingirem grupos sociais significativos, justificariam o fato de colocá-las na origem dos fenômenos antes desconhecidos. Na medida em que o indivíduo não sabe lidar com os sentimentos negativos que experimenta diante do desligamento da empresa, a demissão gera, involuntariamente, uma personalidade potencialmente destrutiva, responsável, em última análise, pelo mal-estar individual e social num processo que se alimentaria, portanto, não a partir de condições materiais, objetivas, do mercado e das necessidades da exploração, mas de atitudes individuais, oriundas de pessoas descontroladas e despreparadas que deixaram de acreditar em si mesmas e em seu potencial para poder recomeçar.
A passagem das motivações sociais e econômicas para os problemas da personalidade, como explicação que tende a se generalizar, tranquiliza a elite, permite-lhe continuar sua obra de embrutecimento das maiorias em função das metas que se propõe e lhe possibilita matar dois coelhos com um único golpe: de um lado, o substrato econômico, político, social e cultural acaba escondido pelo biombo de uma vontade do sujeito que tudo explica, tudo pode, tudo tem condições de realizar; de outro, a luta política, que apontava para a necessidade de superar a desigualdade econômica, a discriminação, a marginalização através de uma nova ordem social, é substituída pela decisão do indivíduo de dar a volta por cima. Vítima de uma situação pela qual se supõe que ninguém pode ser culpado (pois, como se diz, “as coisas são assim mesmo”, “é o mercado”, etc.), o “EU” só não conseguiria se reerguer e optaria por comportamentos/atitudes aberrantes apenas por um desvio de conduta alicerçado na incapacidade de administrar as emoções negativas oriundas da situação em que se encontra. Graças à mágica da presença/ausência de autoestima, a elite, que fez, e continua produzindo, os estragos com sua exploração da classe trabalhadora, deixa o banco dos réus para assumir o papel de benfeitora daqueles que, através de suas ações de “responsabilidade social” buscam um lugar onde se refugiar, ao passo que a vítima é relegada ao banco dos réus, pois, nesta lógica perversa, a ordem social não pode ser condenada por ser “natural” e comum a todos ao passo que só não sai do buraco quem não quer.
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Para o novo conformismo, querer não é apenas poder, mas sim a atitude imprescindível para levantar, recomeçar, acreditar no sucesso, se afirmar e subir novos degraus da pirâmide social. Quando isso não ocorre, então, é porque o núcleo de onde o sujeito saiu está doente, desenvolve atitudes, relações, ideias, valores e formas de comportamento consideradas “tóxicas” para o futuro e o bem-estar individual e coletivo. Por outro lado, esta percepção da realidade faz com que o indivíduo alheio a este núcleo não se sinta responsável pelo que ocorre na sociedade. De fato, eu, que nasci numa “boa” família, como posso ter algo a ver com a família da favela da qual saiu “esse fulaninho aí”? Enquanto sujeito, o que posso fazer é agir para me resguardar de uma eventual ameaça, buscar me proteger e, obviamente, pedir que alguém faça valer meus direitos caso venha a ser atingido por uma situação desagradável. Se, como indivíduo, não tenho a menor responsabilidade na produção/reprodução das relações sociais do ambiente em que vivo, então o meu papel deve se limitar à cobrança dos meus direitos, de preferência através de um profissional competente, capaz ao menos de obter monetariamente a compensação pelos estragos produzidos na minha autoestima e no estado de espírito forçado a passar por certo período de sofrimento.
Analisando agora o âmbito das relações de trabalho à luz desta perspectiva, é curioso perceber que as vítimas de assédio moral, por exemplo, não percebem que o próprio assédio só é possível na exata medida de sua submissão. Ou seja, além do inegável papel do assediador, encontramos a ausência de ação de um indivíduo ou grupo que deixou de ser AUTOR, de escrever seu roteiro de relações e de batalhar por ele e que, diante do aparecimento de distúrbios psíquicos, limita-se, no máximo, a cobrar na justiça a reparação dos danos morais sofridos. Longe de perceber que sua omissão é um dos elementos fundamentais para o assédio ganhar asas, sua postura continua se recusando a agir diretamente no âmbito do trabalho. O mais comum é que culpe o chefe/supervisor mau caráter e transfira para o advogado a cobrança de uma compensação monetária. Esta opção não só confirma aos patrões que o crime compensa (na medida em que, no Brasil, não mais de 10% dos injustiçados buscam recuperar seus direitos na justiça, sendo que 6% deles farão acordo antes do encerramento do processo), mas, sobretudo reafirma na prática que a realidade da qual é vítima é o resultado de forças externas poderosas e incontroláveis, nunca de sua omissão.
Neste processo, o fato de as desgraças poderem ser sempre atribuídas aos OUTROS, e nunca à falta de ação pessoal, permite aos patrões encolher cada vez mais o campo de autonomia do sujeito e dificultar sobremaneira a preparação de uma resposta coletiva na medida em que nem o indivíduo nem o grupo percebem que as coisas só estão assim porque eles deixam de agir ou atuam somente numa determinada direção. Como funcionário, preciso sempre de alguém para atribuir a culpa da minha condição, pois encontrar um culpado me exime de assumir as responsabilidades que tenho nos acontecimentos e permite atribuir os meus problemas a uma causa externa, sobre a qual, aparentemente, não há o que possa fazer. O que, por sua vez, só reafirma que posso apenas cuidar de mim e nada mais.
Vale ressaltar que as queixas e a busca de um culpado não são criticáveis enquanto tais. Na nossa sociedade são muitíssimos os problemas dos quais se queixar e maior ainda é o número de entidades/pessoas contras as quais apontar o dedo ao formular acusações. A busca de um culpado, porém, torna-se um problema quando o indivíduo se livra de todo senso de responsabilidade pela própria condição e pela degradação das relações sociais ao seu redor. Todos vivemos em circunstâncias sobre as quais temos pouco controle, mas se renunciamos à possibilidade de exercer este mínimo de influência sobre a orientação da vida coletiva corremos o risco de depreciar o sentido da nossa humanidade e tornarmo-nos cada vez mais vítimas de nossa própria omissão.
Isso explica porque, como indivíduo, detesto um sindicato que aponte minhas responsabilidades e aumente minha insegurança ao me colocar frente a frente com a realidade dos fatos. Tudo o que preciso é que forneça um bom advogado, lute por uma justiça ágil, coloque processos de cobrança alheios a qualquer risco para que, reparado o dano sofrido, “EU” possa recuperar minha auto-estima, ser reconhecido e retomar o meu caminho. Como qualquer ser humano, eu, trabalhador da categoria, gosto de acreditar em algo ou alguém porque isso me faz sentir confortável e amparado, e não de me ver como soldado na linha de frente, diante de um inimigo poderoso e com a estranha sensação de virar alvo ao menor deslize que venha cometer. O que quero mesmo é que seja possível ter tudo, ao mesmo tempo, agora e, obviamente, sem riscos! É como se, ao desejar um filho, a condição para iniciar a gravidez fosse a de não lidar com enjoos, não ficar com dores nas costas, não ganhar peso, nem ter aqueles efeitos desagradáveis que costumam aparecer neste período e, obviamente, dar a luz a uma criança saudável que não dê trabalho e nem faça perder uma única noite de sono. A esta altura, o bom senso aconselharia comprar um boneco, mas, para não desagradar, não são poucas as vezes em que se opta por passar a mão na cabeça, por entender e por deixar de colocar as pessoas frente a frente com suas responsabilidades históricas.
isomaa6Para agradar, para ser vistas como representativas e combativas ou simplesmente para não correr riscos de perder associados, as direções sindicais deixam frequentemente de tratar os trabalhadores como adultos e enveredam por formas de paternalismo tão nefastas quanto às que eram marcada pelo assistencialismo dos velhos pelegos. Por isso, até que ponto a ação sindical consegue construir a dúvida na cabeça de seus representados ao explorar a via do sentimento para recolocar a razão diante da realidade das relações sociais que escapa da percepção do senso comum? Afinal, sabemos “incomodar” o trabalhador ao colocá-lo diante de suas responsabilidades históricas para consigo mesmo e os demais ou a postura do sindicato acaba favorecendo o processo que descrevemos com atitudes e serviços que compensam parcialmente a falta de atuação coletiva, reafirmando as justificativas individuais para a omissão e ocultando o desenvolvimento dos mecanismos de exploração? E, neste processo, estamos conseguindo nos fazer entender ou nossos interlocutores apenas balançam a cabeça à espera de que, terminado nosso discurso, possam voltar a seus afazeres com a sensação de ter perdido o próprio tempo?

domingo, 17 de abril de 2011

"Não vai dar nem para olimpíada"

"Não vai dar nem para olimpíada"
Estudo do Ipea prevê que obras em aeroportos não ficarão prontas nem para 2014 nem para 2016
Fernando Dantas e Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
As obras nos aeroportos brasileiros não ficarão prontas a tempo de atender a demanda da Copa do Mundo de 2014 nem da Olimpíada de 2016, prevê estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A avaliação dos pesquisadores é que, com projetos ainda inacabados, não será possível cumprir os prazos para entregar as obras para os eventos esportivos.
"O resultado é preocupante. Não vai dar nem para a Olimpíada", diz Carlos Campos, coordenador de Infraestrutura Econômica do Ipea, que participou da elaboração do trabalho. "A grande maioria dos novos terminais visando a Copa do Mundo ainda não tem nem projeto", acrescenta. Com isso, as obras teriam de passar ainda por toda a fase de concepção, licenciamento ambiental, licitação e execução, o que leva em torno de sete anos.
Para o professor Marcio Nobre Migon, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é possível acelerar as obras com o emprego de novas tecnologias, mas os custos dos projetos podem subir significativamente. "Tempo em construção civil é muito compressível. É questão de botar gente trabalhando, virando noite. O Japão, recentemente, reconstruiu uma estrada em seis dias."
Apesar de as preocupações estarem direcionadas para os dois eventos que atrairão a atenção do mundo para o Brasil, a situação dos terminais já é insustentável hoje, segundo o estudo. Dos 20 maiores aeroportos, 17 operam acima do limite máximo ideal de 80%, e 14 operam acima de 100%. Só há folga nos aeroportos do Rio (Galeão e Santos Dumont) e no de Salvador. Segundo Campos, os aeroportos de Cumbica, Congonhas e Viracopos, em São Paulo, são os casos mais graves.
"Estão com problemas enormes, operando acima da capacidade", disse o técnico, baseado nos resultados do trabalho. Um entrave adicional é que, mesmo na hipótese improvável de que todos estejam prontos para a Copa, os terminais já serão insuficientes para a demanda prevista.
Esta não é a primeira vez que a Infraero projeta aeroportos com prazo de validade curto. Inaugurado em 2001, o novo aeroporto internacional de Porto Alegre chegou ao seu limite no ano passado, forçando a estatal a reativar o terminal antigo, parado desde o começo da década.
Migon, da FGV, diz que o País não deve atrelar o planejamento do setor aeroportuário aos eventos esportivos. "Devemos investir em aeroportos não por causa da Copa e da Olimpíada. Precisamos planejar do ponto de vista de uma economia que cresce a 5% ao ano."
Outra preocupação apontada pelo estudo do Ipea é o fraco desempenho demonstrado historicamente pela Infraero para executar seu orçamento. O estudo mostra que a estatal não tem conseguido executar nem 40% do seu programa anual de investimento.

Sobre os cortes orçamntários 2011

04/03/2011 11:39
Valor Econômico (SP): Apesar dos cortes, governo vai gastar R$ 90 bi a mais em 2011

As despesas do governo federal, em 2011, podem ser R$ 90 bilhões superiores às do ano passado, apesar do corte de R$ 50 bilhões. O valor aparece quando são comparados as despesas realmente pagas pelo Executivo no ano passado (o Orçamento real) e os limites agora autorizados para este ano.
Cálculo feito pelo Valor, com orientação de especialistas em contas públicas, revela que o gasto autorizado para este ano dos ministérios e outras áreas listados no detalhamento oficial da reprogramação orçamentária - já subtraídos os cortes - será 11,82% superior às despesas executadas em 2010, considerando apenas as despesas que entraram no corte: pessoal e encargos sociais, custeio e investimento.
Como para 2011 o próprio governo prevê expansão de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e também de 5% para a inflação (IPCA), a redução dos dispêndios acaba perdendo o caráter contracionista, na opinião de economistas ouvidos pelo jornal.
Alexandre Schwartsman, ex-economista-chefe do banco Santander, explica que, dessa forma, o gasto público continuará estimulando a economia. E chama atenção para o risco de os cortes serem afrouxados ao longo do ano. "Se o corte não se concretizar, a expansão fiscal será ainda maior."
Nas contas de Marcos José Mendes, consultor orçamentário do Senado, o impacto do corte em proporção ao PIB será de 0,3 ponto percentual e não 1 ponto percentual, como o governo divulgou. "Pelos métodos utilizados, não se sabe qual é o tamanho efetivo do controle da despesa. Para isso, seria correto cortar o que se pretende gastar em 2011 em relação ao que foi efetivamente gasto no ano anterior, com os restos a pagar. Não dá para se basear na despesa de competência [liquidada, portanto registrada antes dos restos a pagar], o que favorece o resultado primário", explica Mendes.
O economista também critica o formato da apresentação da reprogramação orçamentária. " Os dados são excessivamente agregados e o detalhamento é insuficiente para que se possa comparar os números apresentados com os registrados oficialmente registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional (Siafi)", diz ele.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério do Planejamento informou que o Orçamento tem dinâmica de alocação de recursos que não segue, necessariamente, os gastos do ano anterior. "Por exemplo, o Ministério da Saúde tem uma regra definida na Emenda Constitucional 29, que corrige o orçamento pela variação do PIB. Não se pode fazer uma análise generalista sem olhar as especificidades e as políticas a serem implementadas pelos órgãos", diz a nota.
Das 27 unidades orçamentárias obrigadas a reduzir gastos em 2011, 14 registram elevação das despesas previstas para este ano em relação aos valores realmente pagos em 2010, inclusive os restos a pagar, tipo de gasto contratado no ano anterior e efetivamente pago no período corrente. Mesmo sendo obrigado a reduzir despesas em R$ 3,687 bilhões, o Ministério do Planejamento, por exemplo, terá à disposição R$ 20,135 bilhões, valor que supera em quase 295% os R$ 5,109 bilhões executados pela pasta no ano anterior.
Alvo de um dos maiores cortes, de R$ 8,577 bilhões, o Ministério das Cidades ostenta um crescimento de 88,24% em seu orçamento de 2011, na comparação com o executado em 2010, com R$ 12,895 bilhões disponíveis em recursos para gastos com pessoal, custeio e investimentos. Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Fazenda e Esporte completam a lista das cinco pastas que mais ampliaram seus orçamentos em relação à execução de 2010: altas de 155%, 20% e 18%, respectivamente.
Curiosamente, apesar do aumento, o Ministério do Esporte foi bastante prejudicado pela tesoura do governo. A pasta perdeu R$ 1,521 bilhão, o que representa 62% do valor inicialmente autorizado no Projeto de Lei Orçamentária de 2011. Apesar de a pasta comandada por Orlando Silva (PCdoB) estar diretamente envolvida com os preparativos da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, analistas acreditam que o baixo índice de execução de seus projetos motivaram a redução drástica dos gastos. A média de execução orçamentária do ministério em 2010 foi de 37%. O desempenho médio do governo como um todo chegou perto de 80%.
Entre as áreas que registram queda no orçamento deste ano em relação aos desembolsos não financeiros de 2010, as cinco mais afetadas foram Turismo, Vice-Presidência, Integração Nacional, Agricultura e Comunicações.
O economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acrescenta que, "invariavelmente", vários setores do governo terão que sacrificar investimentos por causa do corte. "O governo chamou tudo de gastos discricionários. O investimento do Ministério do Turismo para este ano era de R$ 2,644 bilhões, e o corte foi de R$ 3 bilhões. Como afirmar que os investimentos foram preservados?"

2011 esportivo: seleção em obras e obras para toda a nação

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Escrito por Gabriel Brito   
04-Jan-2011
 
Como foi a toada dos últimos anos, o esporte continuará a ter um lugar de destaque em nossos noticiários e cotidiano em 2011. Tanto pelas competições que sempre ocorrem mundo afora como pelos preparativos para os grandes eventos que nosso país sediará em 2014 e 2016.
 
Dentro das quatro linhas, inicia-se um novo ciclo na seleção brasileira, inaugurado com a contratação do treinador Mano Menezes e que começará a ser posto à prova já em janeiro. Comandada pelo ex-técnico do Coritiba, Ney Franco, a seleção sub-20 disputa o sul-americano da categoria e precisa chegar entre os dois primeiros para garantir vaga nas Olimpíadas de Londres 2012, na qual se buscará alcançar a inédita medalha de ouro na modalidade.
 
Em seguida, a seleção volta suas atenções à Copa América, a ser jogada em julho, na Argentina, primeiro grande teste da nova era, quando deveremos ver um time mais arejado e leve em relação ao de Dunga, e muito mais voltado à prática do bom e velho futebol canarinho. Não faltam jogadores jovens aptos a preencher os lugares no time dentro de nossas tradições e exigências. Neymar e Ganso simbolizam a geração, mas não são os únicos.
 
No âmbito nacional, continuamos a ter um calendário inchado e insano, com excesso de jogos especialmente nos campeonatos estaduais, que por sua vez se iniciam já neste mês. Nada será feito para enxugá-lo ou ao menos alinhá-lo ao europeu, de modo que não tenhamos que perder nossos talentos no meio das competições.
 
Continuaremos também a ter divisões de acesso precárias, abandonadas pela monárquica CBF, que só tem olhos para a rentável seleção brasileira e suas milionárias excursões. Arrecadando cerca de 200 milhões de reais anuais, a entidade ‘presidida’ por Ricardo Teixeira diz não ter condições de fomentar nosso futebol nos estratos menos privilegiados (da terceira divisão pra baixo e futebol feminino), mantendo-os ao relento e na desordem.
 
Além disso, teremos seis clubes brigando pelo título da Libertadores da América (Corinthians, Grêmio, Internacional, Santos, Cruzeiro e Fluminense) e veremos o último ano da carreira de Ronaldo, artilheiro do último título mundial do Brasil, que após tantos calvários físicos diz que seu corpo pede o fim de sua vida futebolística. Sentiremos saudades.
 
Também no meio do ano, serão realizados os jogos Pan-americanos, em Guadalajara (MEX), evento que servirá como primeiro termômetro sobre o nível de nossos atletas nas mais diversas modalidades com vistas às Olimpíadas.
 
O país tem investido na melhoria da estrutura em diversos esportes individuais que distribuem muitas medalhas (atletismo, natação, lutas) e até 2016 haverá tempo para auferir a abrangência do trabalho. Preocupa o fato de o Brasil continuar a investir pouco na estrutura de base, nas escolas, que facilitaria, e muito, a aparição de novos talentos, concentrando esforços quase exclusivamente no nível profissional.
 
Entretanto, se sobra dinheiro para obras pelos quatro costados do país, é de se imaginar que com o mínimo de seriedade também se invista e atinja algo de satisfatório em termos de desempenho nas competições. E será preciso bastante trabalho para o alcance da meta oficial brasileira: ficar entre os dez primeiros do quadro de medalhas, o que nunca nos ocorreu.
 
País-canteiro
 
Saindo das quatro linhas, ou o que o valha, entramos na arena que realmente tem atraído a atenção de gente dos mais variados ramos de atuação: as obras públicas nas cidades-sedes da Copa e especialmente no Rio de Janeiro, que também abrigará os Jogos Olímpicos.
 
Como dito em outros artigos, pouco adianta agora fazermos projeções de orçamento. Não apenas no Brasil, mas mundo afora, os gastos de tais eventos sempre têm superado, largamente, as previsões originais, e no nosso caso podemos esperar por um inchaço ainda maior, por fatores múltiplos.
 
Em primeiro lugar, o Brasil precisa inadiavelmente dar início, de forma séria, às obras para a Copa de 2014, o que pode parecer bastante, mas é pouco tempo diante do tamanho das exigências, algumas absurdamente exageradas, pasteurizantes (pois visam transformar o torcedor num mero e passivo espectador) e, claro, caríssimas.
 
Como manda nossa tradição, a maioria das obras dos estádios, as mais importantes, já está atrasada. O prazo para o fim das licitações e início das construções já foi prorrogado mais de uma vez, o que salvou algumas cidades mais retardatárias, como Natal, que ainda corre risco de ficar sem a Copa.
 
Em outros locais, a situação não é muito melhor. A Transparência Brasil levantou que a nova Fonte Nova, orçada já em estratosféricos 600 milhões, custará ao todo 1,4 bilhão de reais ao poder público, somando isenções, manutenção e outros gastos mais invisíveis. Fortaleza, Brasília e Manaus enfrentam um vai-vem de liminares que liberam e suspendem os processos.
 
No Mato Grosso, tudo uma maravilha. Licitações, contratações, obras, tudo dentro dos prazos. Pelo simples fato de que por lá Blairo Maggi é a lei, e desde que ele decidiu levar a Copa a Cuiabá, não há quem possa fazer qualquer frente. Além disso, a cidade dispõe de uma dinheirama sem fim, que cresce à medida em que se esvai o Cerrado.
 
Quanto ao Rio de Janeiro, continua rolando a céu aberto e sob passividade geral o assassinato do Maracanã. Por 700 milhões de reais, o consórcio de empreiteiras já está reconstruindo, e descaracterizando, o maior templo do futebol nacional. Isso depois de inúmeras reformas, já muito custosas, nos últimos anos.
 
Quanto a São Paulo, segue a pendenga em que se encontra a definição sobre seu estádio. Ainda não está claro se as obras em Itaquera, para o que seria finalmente a casa do Corinthians, sairão do papel. E apesar das negativas oficiais acerca do uso de dinheiro público, é difícil acreditar que ele não venha, no mínimo com empréstimo do BNDES, sem contar outras formas de apoio.
 
Fica evidente que o interesse não é o bem estar do torcedor, e sim a gastança e posterior elitização dos estádios, de modo a torná-los mais palatáveis às classes A e B e também mais rentáveis. Contra tamanhos interesses escusos, os poderosos do futebol poderão ser um pouco mais incomodados com o surgimento da Associação Nacional dos Torcedores (ANT), que visa exatamente se contrapor à cada vez mais denunciada elitização de nossa brincadeira mais popular.
 
Desse modo, as principais cidades brasileiras têm tudo para se transformar num enorme e provavelmente exasperante canteiro de obras. Em lugares onde já predomina o caos na organização urbana, como São Paulo, Rio e BH, dá até medo pensar o que será o dia a dia até a consumação dos eventos. Fora o massacre que pode ser, e apostamos que o será, perpetrado contra diversas comunidades localizadas em áreas de interesse empresarial, como já se vê descaradamente no caso carioca.
 
Afinal, o grande lance de uma Copa ou Olimpíada é a turbinada que diversos setores da economia podem receber, com obras de infra-estrutura, necessidades hoteleiras, viárias, aéreas etc. Além do mais, a situação dos aeroportos ainda está longe de ser resolvida e todos precisam de melhorias, outro excelente caminho para o escoamento do dinheiro público, especialmente se no final das contas a iniciativa privada puder administrar alguns deles.
 
Em suma, para amigos do governo, trata-se de um prato muito cheio. Basta ver que todas as obras até aqui estão concentradas nas mãos das mesmas empreiteiras de sempre, aquelas que sabemos bem como agem e passaram a vida tendo seus esquemas, sujeiras e cartéis denunciados e escancarados inúmeras vezes.
 
A triste verdade é que os próximos anos se desenham alvissareiros às aves de rapina do país, e cada vez mais do mercado internacional, crescentemente convidado a entrar em nossas cidades com seus empreendimentos e negócios, como não se cansam de anunciar, por exemplo, Eduardo Paes e Sergio Cabral, os gerentes dos interesses privados na cidade e estado do Rio de Janeiro.
 
Restará aos bons cidadãos e à boa imprensa saber atuar como ‘sujeitos históricos’, dispostos a registrar uma história diferente da que será contada pelos grandes aliados dos eventos, governos e empresários, com seus filmetes hollywoodianos e matérias-propaganda exaltando o otimismo de nosso sempre crente e amável povo brasileiro.
 
Gabriel Brito é jornalista.